sábado, 24 de janeiro de 2009

FHC fala de Diretas - Já - 3° mandato - Collor.

FHC ainda defende o sistema parlamentarismo de governo como o mais democrático e critica a possibilidade de um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Se você tem o terceiro, você tem o quarto, o quinto, o sexto, o mandato indefinido. E mandato indefinido contradiz a possibilidade de alternância do poder", afirma.
Leia abaixo a íntegra da entrevista de FHC para a Folha Online:
Folha Online: É possível traçar um marco inicial de quando o movimento pelas diretas surgiu? Foi no comício da praça da Sé no dia 25 de janeiro de 1984?
Fernando Henrique Cardoso: Do ponto de vista político sim. É claro que antes houve algumas manifestações a favor das diretas, houve um comício em Curitiba, outro na praça Charles Miller [em São Paulo], mas, politicamente, aquele foi o marco do apoio popular, quando o movimento se alastrou pelo povo, foi um comício muito grande.
Estive no comício da praça Charles Miller, que era muito mais um comício limitado às forças ligadas ao PT e a certos grupos de esquerda. Eu fui, mas era uma coisa muito mais limitada.
Não estive no de Curitiba. Mas naquele das diretas que foi na praça da Sé foi o momento em que a sociedade se eletrizou. E a razão me parece clara, porque a mídia começou a ter a possibilidade de difundir com mais força, inclusive a televisão. Foi isso que magnificou o ato.
Eu me lembro muito bem que naquele dia 25 eu estava com o governador [de São Paulo, Franco] Montoro, na Universidade de São Paulo --foi à comemoração também do aniversario da universidade-- quando recebemos um telefone do José Gregório, que era deputado, eu creio, dizendo: 'venham para cá que a praça está cheia'. O Osmar Dias era o locutor das diretas e estava tentando segurar o povo. E nós fomos e vimos que era muito maior do que se imaginava. Não havia alto-falante suficiente para reproduzir tudo.
Folha Online: Qual foi a sensação ao chegar no comício e ver aquela multidão?
FHC: Foi uma emoção muito forte. Também devo dizer, em homenagem a verdade, que a convocação para a realização do comício se deve ao Montoro. Eu era o presidente do PMDB na ocasião e o Montoro me transmitiu a preocupação dele em fazer um comício. Consultei a executiva e eles eram muito céticos. A avaliação era de que não haveria condições para uma mobilização popular porque não havia clima de liberdade.
O Montoro não se conformou, consultou outras forças, não sentiu apoio de ninguém, mas insistiu, insistiu, insistiu e ele teve a audácia e a sensibilidade de ver que o momento era aquele.
Folha Online: O movimento ficou concentrado em São Paulo e Minas por causa do Montoro e do Tancredo Neves, como foi nos outros Estados?
FHC: Houve [comícios] em Goiânia, houve no Rio --o maior comício foi no Rio, com o [Leonel] Brizola. E foi se alastrando. Mas a figura emblemática era o Ulysses. Ele tinha feito a anticandidatura dele [em 1973], muito tempo antes ele já era um pregador incansável das diretas.
Folha Online: Há quem diga que o movimento fracassou, pois a emenda Dante de Oliveira --que estabelecia as eleições diretas para a Presidência da República-- não foi aprovada. Como o senhor vê esse entendimento?
FHC: É insensato. Porque [o movimento] foi um marco da mudança do clima político do Brasil. Não é que ela foi derrotada, ela não alcançou os dois terços [de deputados presentes no plenário]. Não deu quórum. Tinha que ter o número qualificado de votos e era maioria enorme. Ali ficou bem claro que o regime já não controlava mais sequer nem o Congresso. Então foi o passo seguinte, que foi mudar de Diretas-Já para Mudança-Já, que deu na eleição pelo Congresso do Tancredo.
Folha Online: A eleição do Tancredo foi uma alternativa encontrada na hora, após a derrota, ou já era algo programado?
FHC: Não, esperado era ganhar a votação pelas Diretas-Já. Algumas pessoas dizem maldosamente: 'ah, ninguém queria diretas já'. É mentira. Queríamos e estávamos profundamente envolvidos. O Tancredo inclusive.
Agora, uma vez que não passou ai é o seguinte: ou você deixa o governo manipular e aguenta não sei mais quantos anos de um governo daquele que nós tínhamos ou tenta virar o jogo no Congresso.
Folha Online: Mesmo com todo o movimento em 84 pelas diretas o primeiro presidente eleito por voto direto foi o Fernando Collor, que na verdade não tinha uma ligação direta com o movimento. É possível explicar isso?
FHC: Sem dúvida o Collor teve uma enorme capacidade de difundir sua imagem e seu slogan. Ele usou programas de televisão, aproveitou bem isso. Havia naquele momento um certo entusiasmo e o temor de que houvesse uma eleição mais à esquerda. Isso mobilizou muita gente contra.
O PSDB não ficou com o Collor. Nós perdemos a eleição com o Covas, que podia ter ganho, a diferença entre o Covas, o Lula e o Brizola foi pequena.
Folha Online: Pouco tempo depois da campanha pelas diretas houve a Assembleia Constituinte. Na época, o senhor, como senador, defendeu que o Brasil adotasse o parlamentarismo. O senhor ainda defende esse modelo de governo?
FHC: Hoje, depois de ter passado pela presidência e ver o estado em que está o nosso Congresso e os nossos partidos, acho que para poder fazer isso tem que haver mudanças mais profundas, inclusive na legislação eleitoral. Pelo sistema que nós temos aqui é difícil. Embora, em tese, o sistema parlamentarista permita uma maior democratização, ele não é incompatível com a eleição para presidente.
Folha Online: Naquele momento, qual era a justificativa?
FHC: É a mesma. Nós achávamos que era preciso fortalecer os partidos e que o presidencialismo, tal como ele era praticado no Brasil, dificultava a existência de partidos mais enraizados na sociedade, o que é verdade. Mas por trás disso está a ideia também de que era preciso mudar o sistema eleitoral, ou seja, ir para um voto distrital, "distritalizado", há mil maneiras de fazê-lo. Mas que dê uma ligação mais direta do eleitor com o eleito, que barateie as eleições, e que permita que cada partido apresente mais nitidamente o seu candidato em circunstância melhor. Não essa enorme quantidade de candidatos em quem uns somam votos com outros, gatos com sapatos, nessa confusão que é o nosso sistema eleitoral.
Folha Online:...então o senhor acredita que nossa democracia ainda não esteja completamente consolidada?
FHC: A democracia como arquitetura, com eleições, sim. Mas como uma expressão mais efetiva da vontade da população no controle dos governos, não.
Folha Online: Com relação a um possível terceiro mandato para o presidente Lula, um dos temas debatidos na reforma política, como o senhor vê?
FHC: Não existe a instituição do terceiro mandato. Em que país do mundo há isso? Não existe. Há a reeleição. É uma forma democrática consabida. Por que você não tem o terceiro mandato? Porque se você tem o terceiro, você tem o quarto, o quinto, o sexto, o mandato indefinido. E mandato indefinido contradiz a possibilidade de alternância do poder.

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