domingo, 27 de dezembro de 2009

Minha profissão é dizer o que eu penso

Carlos Chagas

Noite de Natal, tempo de boa vontade e tolerância. Nem por isso devemos deixar de buscar no passado exemplos capazes de demonstrar as contradições do presente.

Voltaire, dos maiores espinhos colocados no caminho da Igreja, escreveu um panfleto intitulado “As Perguntas de Zapata”, no caso, um jovem candidato a padre. O personagem indagou, entre outras questões, dos bispos que o interpelavam: “como vamos fazer para mostrar que os judeus, a quem hoje queimamos às centenas, foram durante quatro mil anos o povo escolhido por Deus?”

Em outra novela, “L’engenu”, conta as desventuras de um índio Huron, trazido da América à França e levado às práticas específicas do catolicismo. Indicaram-lhe uma passagem na Epistola de São Tiago que determinava “confessai-vos uns aos outros”. Numa capela, o aborígene cumpriu à risca a determinação, mas quando acabou de dedilhar seus pecados, arrancou o abade do confessionário, à força, ocupando seu lugar e dizendo que não sairia dali enquanto o outro não confessasse os dele…

Só esses dois episódios conduzem-nos à mesma contradição que um dia marcou a fundação do PT. Como explicar, no caso dos companheiros, que um dia tenham sido os donos da ética, críticos de todas as lambanças praticadas pelos demais partidos, e agora apareçam como mensaleiros, ocupantes de milhares de cargos em comissão, gestores de ONGs fajutas que recebem recursos do tesouro nacional e herdeiros do Ali Babá? Da mesma forma, não dá para entender de que maneira os petistas condenam à fogueira montes de tucanos responsáveis pela dilapidação do patrimônio público necessário à preservação da soberania nacional e, de repente, tenham virado neoliberais de carteirinha.

Os dias da fundação do PT lembram cada vez mais os primeiros tempos do cristianismo, quando mártires viam-se imolados nas arenas da incompreensão, mas logo tornados senhores que acendiam as fogueiras da intolerância. Hoje, o partido que seria dos trabalhadores transmudou-se em agremiação dos donos do poder e das verdades absolutas, à espera de um grito de revolta muito parecido com “Ecrasez l’infame”. A pergunta que se faz, enquanto há tempo, é como reagirão quando a turba cercar a Bastilha? Perderão apenas as propriedades, as mordomias, as benesses e a ocupação do poder? Ou as cabeças, também?

No dia em que parte da Humanidade comemora o nascimento do maior dos seres vivos já presentes no planeta, sempre empenhado em demonstrar sermos todos filhos de Deus, sem reivindicar apenas para ele essa condição, seria bom meditar quantas barbaridades tem sido cometidas em seu nome. Assim como, em nome da justiça social, verificar quantos companheiros transformaram-se em algozes dos princípios fundamentais da liberdade e da democracia.

Para terminar com o mestre François Marie Arouet, o Voltaire, seria bom responder como ele, quando indagado sobre seu modo de vida: “minha profissão é dizer o que eu penso…”

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