O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) ingressou com ação civil pública, com pedido de liminar, na Justiça Federal para declarar a responsabilidade da União e da Fundação Nacional do Índio (Funai) por violações de direitos humanos dos povos indígenas Tenharim e Jiahui, em decorrência de danos permanentes da construção da rodovia Transamazônica (BR-230) em seus territórios. Na ação, o MPF pede a condenação da União e da Funai à reparação dos danos com várias medidas, entre elas, o pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 20 milhões.
O procurador da República Julio José Araujo Junior, titular do ofício que trata de povos indígenas e comunidades tradicionais no MPF/AM, afirmou que a construção da estrada causou danos ambientais, danos socioculturais e dano moral coletivo, gerando prejuízo permanente aos povos indígenas que habitam a região.
A falta de preocupação quanto à sustentabilidade gerou prejuízos quanto ao uso do solo para atividades agrícolas, poluição atmosférica, acúmulo de lixo, redução da fauna – implicando novas readaptações nas atividades de caça –, desmatamento e alteração dos cursos d'água.
No âmbito sociocultural, o período da construção da rodovia gerou um impacto de grandes dimensões, quando houve forte contato interétnico, causando mortes em decorrência de doenças levadas pelos operários. Além disso, o MPF aponta que a 'pacificação' promovida pela Funai e o recrutamento para o trabalho nas obras causou forte desestruturação no grupo indígena, que, acuado por conta das atividades de tratores e aviões no local, deixou de promover maiores deslocamentos para não abandonar os seus territórios sagrados.
Os Tenharim não abandonaram a região, tendo se deslocado do rio Marmelos para as margens da rodovia justamente para estarem próximos de seus territórios sagrados. Ainda assim, a promoção do desmatamento e elaboração do traçado da rodovia sobre locais sagrados para os indígenas representou nova violação de seus direitos. Já o povo Jiahui sofreu grande diminuição, chegando a contar, às vésperas da demarcação da terra indígena, com apenas 17 pessoas.
A terra indígena Tenharim Marmelos teve o seu processo de demarcação concluído em 1996 e a Terra Indígena Jiahui teve a demarcação homologada em 2004. Em termos populacionais, os Tenharim abrangem, atualmente, 962 indígenas (737 na TI Tenharim Marmelos, 137 na TI Tenharim do Igarapé Preto e 88 na TI Sepoti). Os Jiahui totalizam 98 indígenas.
Dano moral coletivo – O procurador da República Julio José Araujo Junior destacou que os fatos ocorridos por ocasião da construção da estrada representaram ofensa aos direitos fundamentais dos povos Tenharim e Jiahui, ensejando a reparação por dano moral coletivo. “O MPF sustenta que houve violação grave aos direitos fundamentais destes povos indígenas por conta da construção e dos danos permanentes que ocorrem até hoje, sobretudo em razão da omissão da União e da Funai”, declarou o procurador.
Em razão disso, o MPF pede, na ação, a condenação da União e da Funai ao pagamento de indenização no valor de R$ 10 milhões cada, totalizando R$ 20 milhões, em conta específica em favor dos povos Tenharim e Jiahui, a serem aplicados em políticas públicas em favor deles, sob a coordenação da Funai, a partir de definição pelas próprias comunidades.
O MPF pede também que União e Funai sejam obrigadas a adotar medidas permanentes de proteção a locais sagrados e espaços imprescindíveis ao sentimento de pertencimento dos povos Tenharim e Jiahui, conforme indicação dos indígenas; reformar escolas nas aldeias Coiari, Taboca e Mafuí, além de construir novas escolas com professores contratados e desenvolvimento de processos próprios de aprendizagem; instalar polo-base da saúde indígena específico para as terras indígenas dos Tenharim e dos Jiahui; e criar um centro de memória e publicar material didático sobre os impactos da construção da rodovia sobre os povos Tenharim e Jiahui, ressaltando as características desses povos e os direitos sobre suas terras, com ampla distribuição, principalmente nos municípios de Humaitá, Manicoré e Apuí.
Como pedidos liminares, o MPF requer que a Justiça determine a adoção das medidas de preservação dos locais sagrados em até 60 dias; a garantia de segurança para os índios frequentarem escolas e faculdades, evitando assim prejuízos ao ano letivo; a instalação do polo-base de saúde indígena no prazo máximo de seis meses; e a realização de campanha de conscientização quanto aos direitos indígenas em Humaitá, Manicoré e Apuí, com início em até 30 dias.
A ação tramita sob o nº 0000243-88.2014.4.01.3200, na 3ª Vara Federal no Amazonas, onde será analisada.
Apuração iniciada no ano passado – Em abril de 2013, após reunião com lideranças das etnias Tenharim e Jiahui, o MPF instaurou inquérito civil público para apurar a responsabilidade do Estado Brasileiro por possíveis violações de direitos humanos cometidas contra os povos indígenas durante a construção da Transamazônica, no período da ditadura militar.
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