domingo, 6 de setembro de 2009

187 anos após Independência, País ainda aguarda reformas profundas

Rodrigo Ferrari
Há exatos 187 anos, o Brasil se tornava livre de Portugal. Diferentemente do que ocorreu nos demais países da América, em especial nos Estados Unidos, nossa independência não se deu graças a uma ruptura estrutural, mas sim por meio de um pacto entre nossas elites latifundiárias e o herdeiro do trono português, o então príncipe-regente dom Pedro, que mais tarde seria aclamado imperador.

Esse ato inaugural de nossa civilização (marcado pelos acordos de cavalheiro entre o “pessoal do andar de cima”) marcaria nossa identidade para sempre. Tanto que, ao longo da história do Brasil, quase não ocorreram rupturas estruturais. As transformações de ordem mais profunda - como a Libertação dos Escravos, a Proclamação da República ou mesmo a Revolução de 30 - foram seguidas de rápidos reagrupamentos de força e redefinições de aliança entre grupos dominantes. Quase 200 anos depois de o País alcançar sua independência, nosso povo ainda vaga sem rumo em busca de liberdade, igualdade e fraternidade.

Nas vezes em que o Brasil esteve próximo de iniciar um processo de ruptura - como nos anos 60, quando o presidente João Goulart tentou levar adiante as chamadas “reformas de base” -, os grupos dominantes reagiram de maneira violenta. A última, e talvez mais dramática, prova de força de nossas elites foi o Golpe de 64, que mergulhou o País numa ditadura que durou quase duas décadas.

Esse período foi marcado por inúmeras violações aos direitos básicos de nossos cidadãos e pela violência desmedida contra os opositores do regime, que eram presos, torturados, mandados para o exílio ou mesmo assassinados.

Foi assim até três décadas atrás, quando uma intensa mobilização tomou conta do País. Diferentes setores da sociedade (alguns até antagônicos) uniram-se em torno das palavras de ordem “anistia ampla, geral e irrestrita”. Considerado um dos marcos da redemocratização brasileira, o movimento culminou na promulgação da lei 6.683 pelo general-presidente João Baptista Figueiredo.

Além de libertar os presos políticos, a Lei da Anistia permitiu o retorno de brasileiros exilados ou banidos durante o regime de exceção. Mais tarde, o Brasil ganharia uma nova constituição, considerada por muitos especialistas como a mais avançada e democrática do mundo. O povo também voltaria a escolher seus governantes por meio do voto direto. Apesar de todos esses avanços, o País está longe de ser um paraíso da democracia.

É um lugar em que existem filas enormes de crianças aguardando por vagas em creches e onde policiais ainda transportam aparelhos de eletrochoque nas viaturas para “auxiliar” no interrogatório de adolescente suspeito de participar de um roubo de motocicleta. É um país em que mais da metade da população economicamente ativa não possui carteira assinada - ou seja, não tem direito a férias, décimo-terceiro salário, auxílio-doença ou licença-maternidade.

É uma nação que se dá ao luxo de permitir que milhões de hectares de suas terras mais férteis sejam destinadas a monoculturas como a cana, a laranja ou o eucalipto, enquanto parte expressiva de sua população mal tem o que comer - dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), referentes a abril deste ano, apontam que as principais regiões metropolitanas do País concentram 14,258 milhões de pobres (indivíduos com renda mensal inferior a meio salário mínimo).

As origens de nossas mazelas estruturais remontam ao período colonial, com a constituição dos grandes monopólios em favor da Coroa Portuguesa (em especial o da propriedade da terra). O fundamento básico do modo de produção daquela época, o mercantilismo, era a acumulação primitiva de metais nobres como o ouro e a prata. Essa produção de riqueza ocorria mediante a exploração do trabalho escravo.

“O sistema econômico era baseado na tortura. Não se tratava de um problema do branco contra o negro, a despeito dos preconceitos que hoje existem. Havia, sim, um acordo entre as elites africanas e européias para transformar seres humanos em mercadoria. O escravismo não era contestado em parte alguma do planeta. Era visto como banalidade”, afirma o jornalista e escritor Alípio Freire.

Esta seria a gênese da exclusão, ou melhor, da inclusão pela miséria, nas palavras de Alípio Freire. “Não existem excluídos no Brasil. Exclusão existiria se essa gente estivesse dentro do sistema, fosse colocada para fora e, algum dia, pudesse ser ‘reincluída’. Do jeito que as coisas estão, não há como reincorporar essas pessoas. Elas estão condenados a viver dessa maneira, pois cumprem na sociedade o papel de miseráveis”, argumenta.

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