A herança que Dilma deixará a ela mesma, caso se reeleja em 2014, ou a outro político será semelhante àquela que o ditador João Figueiredo passou ao civil José Sarney, em 1985, ou à que Collor passou, com o impeachment, ao seu vice Itamar Franco, em 1993: situações quase inadministráveis.
O quadro acima foi, traço a traço, pintado no início da tarde desta quarta-feira 24 pelo ex-governador José Serra, na teleconferência "Tendências da economia brasileira e desafios para a política econômica". O presidenciável tucano procurou não deixar pedra sobre pedra no edifício da atual gestão. "Falta tudo, não há metas e não há prioridades. O ponto mais fraco desse governo é a gestão. Nunca vi uma equipe tão fraca, e quem escala a equipe é o chefe, é o presidente da República", disse.
Antes de derivar pela política, Serra definiu sete características do atual momento econômico. Para ele, o modelo de expansão pelo consumo está esgotado. "O ciclo do lulismo acabou, e o pior é que o governo não está apresentando uma alternativa para a superação desse modelo", afirmou o ex-governador. "É sempre, como dizem os espanhóis, más de lo mismo (mais do mesmo).
Ele deixou de responder a uma pergunta, a respeito de seu futuro político, não informando se deve permanecer no PSDB e procurar ser candidato a presidente por outra legenda. No entanto, deu pistas sobre sua posição. Definitivamente, ele não está, neste momento, engajado na candidatura do presidente nacional do partido da social democracia, Aécio Neves. Questionado sobre qual dos atuais presidenciáveis pode superar o quadro negro que ele mesmo pinto, Serra não citou nenhum nome. "Dentro das minhas possibilidades, trabalho pela unidade das oposições, por meio de um projeto comum. Para isso, tenho feito palestras, escrito artigos". Ele não deixou de criticar os adversários do PT. "O PT sempre quer ter a hegemonia do processo político, e isso é ruim. Já que esse governo tem uma base tão grande, por que não aproveitá-la para coisas boas?", perguntou.
Serra disse que já na campanha eleitoral de 2010, quando concorreu contra Dilma, sabia que o quadro econômico pela frente seria difícil. "É claro que eu queria ganhar, mas tinha uma grande preocupação em vencer e encontrar uma situação muito difícil". Segundo ele, o modelo adotado por Lula e o PT, a partir de 2002, articulou uma combinação que estaria se encerrando agora, de incentivo ao consumo com baixo investimento em infraestrutura. "Apenas entre 2008 e 2012, o consumo cresceu três vezes mais que o investimento", lembrou. No período que chamou de "bonança internacional", no segundo governo Lula, Serra viu um grande desperdício de oportunidades. "Jogaram pela janela, ou no vaso sanitário e apertaram a descarga, a oportunidade de ajustar a taxa de câmbio diante da queda dos juros internacionais".
SOLUÇÕES VIRAM PROBLEMAS - No momento atual, Serra acredita ser "impressionante a capacidade do governo de transformar soluções em problemas". Como exemplos, citou os programas de concessões de rodovias, dos portos e da exploração de campos de petróleo."Tudo isso existia no final do governo Fernando Henrique e funcionava bem, mas os programas foram paralisados, não se implantou nenhuma alternativa a eles e, agora, são retomados, mas depois de muito tempo perdido".
O ex-governador preferiu não fazer previsões sobre as consequências político-eleitorais da manifestações que, desde junho, vão ocorrendo em todo o País, com protestos a mais variados. "É imprevisível". Ele comparou o quadro futuro ao que se deu nos Estados na virada das décadas de 1960 para 1970, quando, após uma série de manifestações contra a Guerra do Vietnã, o republicano Richard Nixon foi eleito presidente. "Ele não representava exatamente a chamada voz das ruas", completou.
Sobre o programa Mais Médicos, atual menina dos olhos do governo federal, Serra mais uma vez foi duro. "É apenas um golpe de marketing. O Brasil não tem um problema de falta de médicos, mas de má distribuição desses médicos. Se não for marquetismo, é pura ignorância, porque o programa é simplesmente inviável. Ele não tem a menor condição de ser implantado".
Não ficaram de pé, na avaliação feita por José Serra, nem mesmo as altas taxas de emprego registradas no Brasil até o momento. "Nesses últimos dez anos, foram criados 21 milhões de empregos de até dois salários mínimos, mas acima desse patamar foram fechados seis milhões de postos de trabalho", contabilizou. "Isso mostra que não se criaram empregos de qualidade, além do que as taxas de emprego formal também refletem uma maior fiscalizaçao".
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