PORTO ALEGRE — Sob a tutela de uma decisão judicial que permite o trabalho de médicos uruguaios em sete cidades da fronteira entre Brasil e Uruguai, no Rio Grande do Sul, pelo menos 11 profissionais de outras nacionalidades estão atuando de forma irregular em território brasileiro. Informações obtidas pelo GLOBO indicam que um dominicano, uma peruana e nove cubanos estão trabalhando em hospitais de Santana do Livramento e Quaraí, sem autorização.
A liminar da Justiça Federal em Santana do Livramento foi concedida em novembro de 2011 para suprir a falta de médicos nos hospitais dessas cidades, carência confirmada pelas instituições de Saúde — os hospitais não só defendem a atuação dos estrangeiros como são autoras do pedido para que os médicos atuem no Brasil. A decisão, porém, vale apenas para profissionais do Uruguai que residam do outro lado da fronteira.
Uso de registros fictícios
A liminar, que está sendo contestada pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), fez com que os hospitais da fronteira fossem tomados por médicos uruguaios. No Hospital de Caridade de Quaraí, que faz divisa com a uruguaia Artigas, o número de estrangeiros passou de quatro, no início de 2012, para 11, em julho deste ano. É mais da metade do quadro de 20 profissionais do hospital, que atende cerca de 2 mil pessoas por mês. Pelo menos, dois deles não são uruguaios.
Em Santana do Livramento, na fronteira com Rivera, a liminar beneficiava dois médicos. Hoje, já são 25 profissionais estrangeiros atuando na Santa Casa do município. A instituição tem 85 médicos.
No Centro Hospitalar Santanense (CHS), médicos estrangeiros atuam principalmente no serviço de remoção prestado pela instituição em convênio com a Secretaria da Saúde. São pelo menos nove profissionais cubanos nessa situação, que atuam sem registro em ambulâncias que circulam por 40 cidades.
Os boletins de atendimento do serviço móvel de urgência mostram médicos identificados apenas com o primeiro nome ou com o número de registro fictício. Em outros documentos, há prescrições médicas imprecisas ou ilegíveis. Em caso de erro médico, os profissionais estrangeiros sem registro no Brasil não podem ser responsabilizados criminalmente.
A liminar concedida pelo juiz Belmiro Nascimento Krieger, da Vara Federal de Santana do Livramento, beneficiou hospitais de sete cidades fronteiriças e foi motivada por uma ação impetrada pelo Cremers contra as contratações. Podem contratar médicos uruguaios as cidades de Aceguá, Barra do Quaraí, Chuí, Jaguarão, Santana do Livramento, Santa Vitória do Palmar e Quaraí.
A decisão da Justiça se baseou no Ajuste Complementar para Prestação de Serviços de Saúde, promulgado pelo decreto 7.239, de 2010. O decreto incluiu a permissão para que estrangeiro uruguaio fronteiriço, devidamente habilitado para o exercício de sua profissão em seu país, possa prestar serviços de Saúde no Brasil nos limites da pertinente localidade fronteiriça vinculada.
Nenhum dos médicos estrangeiros tem registro profissional no Brasil, o que impede a utilização de receituário e a prescrição de medicamentos. Quando isso é necessário, a receita precisa ser “revalidada” por um especialista brasileiro. Entre os 11 estrangeiros do Hospital de Caridade de Quaraí, há nove uruguaios, um médico dominicano e uma profissional peruana. Pelo menos metade dos uruguaios estudou em universidades cubanas, com as quais o país tem convênios.
“Única forma de atendimento”
A diretora administrativa do Hospital de Caridade, Daniele Garcia, admite que nenhum dos 11 médicos tem registro legal para atuar no Brasil, mas justifica que é a única forma de garantir atendimento à população. Os médicos recebem entre R$ 7 mil e R$ 9 mil mensais para atuarem como plantonistas e também nas Unidades de Saúde da Família (USF). No grupo há dois anestesistas, três cardiologistas, um pediatra, um ginecologista e quatro clínicos.
— Sem os estrangeiros, não daríamos conta da demanda. Mesmo tendo de revalidar receituário, são os estrangeiros que garantem o atendimento aqui no hospital — relata Daniele.
A diretora técnica da Santa Casa de Livramento, Maria Helena Padilha, sustenta que parte dos profissionais uruguaios, autorizados pela Justiça, já teve os diplomas revalidados.
Sem fiscalização no Uruguai
Já o diretor do CHS, Vânios Domingues, nega o emprego de cubanos no serviço de locomoção prestado pela Movilcor, empresa de atendimento pré-hospitalar associada da instituição. Porém, admite que a falta de controle sobre o exercício profissional no país vizinho facilita a contratação clandestina.
— Há uma carência grande de médicos aqui e, por outro lado, no Uruguai não tem conselho de fiscalização. Isso facilita — afirma Domingues.
O Cremers advertiu que brasileiros que revalidam receitas médicas podem ser punidos.
— Oficialmente não podemos sequer reconhecer que esses médicos estão atuando no Brasil porque não há registro algum. Há uma enorme área de sombra — diz o presidente do Cremers, Rogério Aguiar.
A Justiça Federal em Livramento informou que a decisão judicial somente vale para a contratação de médicos de nacionalidade uruguaia e que sejam residentes nas cidades de Rivera e Artigas. Segundo nota publicada pelo juiz federal Belmiro Nascimento Krieger, que concedeu as autorizações, “eventual contratação feita em desconformidade com a decisão judicial poderá ostentar irregularidade”.
Segundo o juiz, inexiste impedimento à emissão de receitas médicas e solicitação de exames pelos médicos uruguaios, pois “são atribuições inerentes ao exercício da Medicina”. Segundo o comunicado, a decisão autoriza tais procedimentos, “embora implicitamente”.
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